Sacudir a água do capote
É tão fácil e ingénuo, e ao mesmo tempo
malicioso e destruidor, pôr em grandes parangonas na primeira página de um
jornal que “Professores chumbam em exame
por erros básicos de português”, ou ouvir o Ministro Crato dizer “Não faz sentido que um professor dê 20 erros
ortográficos numa frase”. Estas 2 frases, que não têm mais que
sensacionalismo, enfermam dos mesmos problemas: (1) quem realizou a prova não
foram Professores, foram candidatos a Professor. (2) Esta pequena nuance ilustra bem o mal que se pode
fazer a uma classe inteira, aquela que tem nas mãos a formação da sociedade
Portuguesa do futuro. É mais uma machadada no prestígio dos Professores, que se
vai reflectir até na sala de aula (onde o Ministro Crato não se atreveria a
entrar, e muito menos leccionar), quando o aluno for corrigido por escrever com
erros ortográficos, e este se desculpar afirmando que os Professores (todos,
como maliciosamente está subjacente à parangona) também escrevem mal. (3) Não
se diz na parangona, que é o que vai ficar na memória das pessoas, qual a
representatividade daquele problema no universo dos (de facto) Professores
Portugueses.
Chama-se a isto manobra de diversão, a
qual tem como objectivo desviar a atenção dos verdadeiros culpados para um bode
expiatório. Em vez do sensacionalismo, aquele resultado devia levar-nos à
reflexão que devia obrigatoriamente ser feita: porque é que os agora candidatos
a Professor escrevem da forma que escrevem, tal e qual como a grande maioria
das pessoas hoje em dia? Há 2 respostas possíveis para esta questão: (1) os
jovens passaram todos a ser “burros” (opção arrogante muito própria de Governante
que quer sacudir a água do capote), ou (2) as pessoas hoje têm o mesmo grau de
inteligência que tinham os seus antecessores há 50 anos, mas o sistema de Ensino
piorou dramaticamente. A resposta óbvia é que estes candidatos a Professor não
são “burros”, são apenas o fruto do
Ensino que em Portugal prevalece desde há, pelo menos, 30 anos. As parangonas atiram
a culpa para cima dos Professores, quando os verdadeiros culpados são os MEs
que sucessivamente têm destruído o Ensino em Portugal.
Afirmações gratuitas e destruidoras como
esta do chumbo na PACC surgem regularmente nas parangonas dos jornais. São bons
exemplos “a geração rasca” e “os jovens deixaram de ler”. A dita “geração rasca” não existe (só existe na
mente de uma pessoa arrogante e mal formada), mas existe uma geração “à rasca” para enfrentar o mundo deixado
pela geração anterior como herança envenenada. A geração do Ministro Crato, por
exemplo. Já dizia Einstein que “a única
forma de ensinar é pelo exemplo”, o que nos leva a uma questão fulcral mas
sempre convenientemente ignorada: quantos filhos entram em casa e vêem os pais
a ler um livro, em vez de estarem colados a um televisor ou a brincar com as
ditas novas tecnologias? A resposta a esta questão explica em grande parte porque
é que “os jovens deixaram de ler”.
Numa situação tão comum (mas tão
instrutiva!) como a de deixar cair e partir um copo, percebe-se logo a
diferença entre uma pessoa educada e responsável e ... o oposto: a primeira de
imediato assume a responsabilidade e garante a reposição da perda. A
irresponsável (infelizmente tão mais comum e reflexo da Educação desde o berço)
diz com o maior desplante: “olha, o copo
partiu-se!”, atirando desta forma e sem pejo a culpa para um objecto
inanimado, o copo. É tão fácil atirar com as culpas para cima de terceiros ...
mas não é honesto ... nem que seja para cima de um copo de vidro!
O que todos nós Pais e Professores
gostávamos de ver do Ministro Crato era: (1) soluções inteligentes para os
graves problemas no Ensino. (2) Mais respeito por uma classe que tem nas suas
mãos o futuro de Portugal – as nossas crianças. Infelizmente, vai ser mais um
ME que não fez mais do que dar mais uma machadada no Ensino e no prestígio dos
Professores. O País “está à rasca”
com Governantes destes.
Texto
escrito propositadamente não seguindo o Acordo Ortográfico.
Fernando Ornelas Marques
Professor na FCUL
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